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O esgotado é mais que o cansado




Essa palavra, ''esgotado'', surge muitas vezes na clínica, nas pessoas e na sociedade e, há um tempo, também percebo que ela, por vezes, vem acompanhada de uma certa sazonalidade: toda a segunda metade do segundo semestre.

Faz sentido? deixemos em suspenso, mas adianto que a falta de sentido é algo inerente (ou inerte) ao esgotamento. O esgotado é mais que o cansado, é quando o corpo não parece se mover, quando a palavra não parece se comuniar e a expectativa não parece mais ansiar. 

Sendo breve (a rede social só permite a brevidade), uma das hipóteses que relaciona o esgotamento com o período do ano é a expectativa do êxito-impossível-individual que tanto é pregada na sociedade. No início do ano tem se a tomada de fôlego e de esperança sobre os resultados (tenho a imagem mental de uma talha d'água quando se está enchendo de água - a linguagem/palavra, o movimento e o desejo acontecem). Porém, no final do primeiro semestre há a percepção de que algo que já deveria ter começado não se iniciou (a parte de cima da talha se esvazia - a linguagem/palavra percebe, mas o corpo não repõe). Inicia o segundo semestre, uma ânsia de repensar a esperança do início aparece, no entanto o tempo, a sede e a rotina não param. (as atribuições e atribulações dão voz à desorganização para conseguir encher a talha - a linguagem/palavra, o corpo e o desejo se desorientam).

Desistir dos planos? Tentar cansado?

Eis os últimos meses do segundo semestre e a talha exige que a água só saia se a própria talha for tombada, uma tentativa de usar a gravidade e a inércia para que a água saia, até que se esgote, es/gota, ex-gota. (não há mais movimento possível, linguagem/palavra possível, só há exaustão seca da desorganização do desejo frustro contado em meses do ano)

O ano acaba...

Mas ainda bem que a filosofia sempre nos  lembra de uma palavra musical: o Ritornelo. Outro ano começa e a talha é cheia novamente...

A princípio este texto parece ser pessimista e com requintes de conformismo, mas o intento é o contrário.

A sociedade atual nos dá a premissa de que as realizações devem estar adequadas ao tempo do Capital e da tecnologia e não ao tempo das próprias realizações com todas as suas feituras biopsicosociais envolvidas. Pensar as expectativas, a sociedade e a si mesmo é encher a talha antes de precisar tombá-la para que o esgotamento não aconteça. Uma forma de pensar a si mesmo e o entorno é a terapia, a análise, a reflexão com alguém comprometido com a escuta do sujeito.



Publicado no Instagram @psico.andremarquesvilela em 22/11/2023

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