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Usando fones para ouvir música e ... não escutar a cidade




Um dos temas que me interessa na clínica é a subjetividade mediada pela urbanidade e suas várias faces e intersecções, nisso o conceito do Rizoma proposto pela esquizoanálise cai feito uma luva e me é muito caro (principalmente se juntarmos à teoria psicanalítica do Inconsciente, daí forma um combo, a meu ver, muito interessante). Quem sabe um dia eu fale disso, mas hoje queria me ater a um componente da urbanidade que muitas vezes as pessoas não lembram da existência, mas que está constantemente atuante, com ou sem propósito definido: o Ruído Urbano, ou, como alguns gostam de chamar, a Paisagem Sonora Urbana.



Quando se fala em paisagem urbana, logo nos vem à mente a paisagem visual, as ruas, os prédios, carros, ônibus e trens, pessoas andando, tudo de forma aparentemente frenética se for nas grandes cidades. Pois bem, a paisagem sonora urbana é a transposição disso para o sonoro, com todo seu frenesi aparentemente caótico.



Ela é tão caótica que muitas vezes, sem percebermos, tentamos tampona-la com nossos fones de ouvido ou caixas de som em alto e bom volume. As vezes temos êxito, outras vezes nem tanto.



Mas o ponto nevrálgico que quero trazer é o descolamento de nossa realidade sonora e, consequentemente, de parte de nossa realidade ambiental e que se traduz no psíquico. Em contrapartida, isso reflete o quão penoso tem sido viver neste urbano e o quanto ele não se faz mais coletivo (lembrando que o conceito de cidade só surge na história humana após e por conseguinte ao conceito de cultura, gregária, coletiva). Os Sons Urbanos, tidos quase que sempre como Ruídos Urbanos, são desagregadores, ansiogênicos e estressores, acompanhando muitas vezes o próprio movimento distópico da sociedade: desagregadora, ansiogênica e estressora. Na tentativa de tamponar estes conteúdos em formato sonoro, vem a música e o desejo de ouvir algo agradável para si em em alto e bom som.


Porém (a história da urbanidade é cheia de poréns), esse ''alto e bom som'' exige constante amplificação, uma vez que o ruído se amplifica também.


Outro porém é que a escuta do ambiente contribui para a percepção ambiental e, consequentemente, a percepção de si no mundo, o que ocorre de outra maneira com os fones já que com isso intenta criar uma outra atmosfera, separada do coletivo, mesmo estando nele.


Será então que este texto se encaminha para uma direção contra-fones? Longe disso! Esse é um texto apenas para pensarmos que mesmo alguns aspectos da cultura que não damos tanta importância fala muito sobre a própria cultura e nos afeta e nos constitui tal qual os constituímos também, afinal somos sujeitos das afetações, como bem dizia o Espinoza.


E como investigar, na clínica, a afetações na subjetividade e na sociedade? Uma teoria que me faz muito sentido na clínica - apesar de não ser uma teoria clínica em princípio - é o do Paradigma Indiciário, do Ginzburg, que também é passível de se somar à associação livre da Psicanálise. Quem sabe um dia eu também fale disso.

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